No que diz respeito à proteção das pessoas e propriedades, são as redes meteorológica e hidrológica que subsidiam a emissão de alertas meteorológicos e geo-hidrológicos sobre condições climáticas severas, a sua evolução e o alcance de seus impactos, além do entendimento sobre esses fenômenos para que haja preparação e ações preventivas, salvando vidas e preservando patrimônio. A Defesa Civil Nacional e o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sinpdec), que reúne todas as defesas civis estaduais e municipais, usam os dados das redes para orientar suas ações de prevenção e resposta. Além disso, essas informações são base para a implementação de programas públicos de auxílio emergencial aos afetados por enchentes e, principalmente, por secas, como a Operação Carro-Pipa e o Bolsa Estiagem.
Para a agricultura e pecuária, as redes fornecem as informações que permitem o adequado planejamento dos cultivos, dão os elementos para os modelos numéricos de previsão do tempo, incluindo geadas e níveis de precipitação que afetam as culturas, bem como o monitoramento dos períodos de seca e seus efeitos econômicos para fins de financiamento de safras, seguros agrícolas, entre outros.
Na geração de energia hidrelétrica, responsável por 66% da matriz elétrica nacional em 2023, os dados permitem a elaboração dos estudos de aproveitamentos hidrelétricos bem como a operação adequada dos reservatórios. Na operação do sistema elétrico como um todo, são utilizados para a estimativa de consumo de energia – por ondas de calor, por exemplo -, o planejamento do uso de fontes alternativas de energia, o monitoramento dos riscos ao sistema de distribuição – por ventos e temperaturas elevadas -, entre outros. A disponibilidade de séries climáticas e hidrológicas longas e consistentes é fundamental à garantia da segurança energética brasileira e ao fornecimento de energia a custos acessíveis para a sociedade. Para a indústria a água é insumo no processo produtivo, em sistemas de utilidades (resfriamento, caldeiras etc.) e para fins sanitários. A falta de água e sua baixa qualidade afetam o dia a dia da indústria e inibem investimentos. Por isso, o risco hídrico é cada vez mais relevante na estratégia de negócios de diversos setores industriais.
Para a logística, as redes hidrometeorológicas permitem monitorar os níveis de navegabilidade, gravemente afetada pela seca sem precedentes nas regiões do Pantanal e bacia Amazônica em 2024, além de prever e avaliar as condições do tráfego rodoviário e garantir a segurança da aviação.
No saneamento básico, são as redes de monitoramento de clima e recursos hídricos que fornecem os dados para os projetos de captação de água para abastecimento das cidades, sobre sua quantidade e qualidade, bem como indica a necessidade de investimentos em esgotamento sanitário que permitam alcançar o acesso seguro à água tratada para todos de forma sustentável.
Na saúde das pessoas, os dados desse monitoramento permitem a preparação para eventos como ondas de calor, incidência de doenças de veiculação hídrica e propagação de doenças ligadas a agentes afetados pelo clima, como mosquitos. Ainda, é preciso haver observação constante dos aspectos climáticos e hidrológicos para que seja possível controlar a poluição hídrica e monitorar a conservação de ecossistemas aquáticos.
Apesar da incontestável relevância dos dados fornecidos pelas Redes, há muitos anos os serviços de monitoramento do clima e dos recursos hídricos no Brasil sofrem com a redução de orçamento, contingenciamentos e falta de pessoal. Essa diminuição continuada da capacidade institucional compromete a produção de dados e a formação de séries históricas sem as quais não se concretizam todos os usos já citados, com efeitos nefastos para o país.
Hoje, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA gere cerca de 5.000 estações hidrometeorológicas em todo o país, várias com mais de 100 anos de funcionamento, as quais correm o risco de serem desativadas já no próximo ano, pela falta de recursos para custeio das redes. O Serviço Geológico do Brasil – SGB opera a maior parte da rede hidrológica nacional e é responsável pelo monitoramento das águas subterrâneas, recurso estratégico para a segurança hídrica. Outras instituições brasileiras, principalmente nas esferas federal e dos estados, gerenciam e operam estações de monitoramento climático e hidrológico, incluindo qualidade da água, somando no total mais de 23.000. Também nesse caso, os recursos financeiros e de pessoal são insuficientes para a continuidade das atividades de maneira adequada.
Dadas as dimensões continentais do Brasil, o número de estações é insuficiente para atender os múltiplos usos a que servem. Nos últimos cinco anos, o orçamento disponível para a operação das redes de observação vem continuamente decaindo em volume tal que não apenas não cobre as perdas pela inflação, mas também o reduz em valor absoluto, o que limita mais drasticamente a produção de dados e o investimento necessário para a manutenção e modernização de equipamentos e sistemas.
Perder os registros de eventos de secas e cheias, por exemplo, impede o entendimento dos fenômenos extremos em curto, médio e longo prazo e compromete o desenvolvimento econômico e a segurança hídrica, alimentar, energética e das pessoas.
Enquanto o Brasil é afetado por eventos hidroclimáticos extremos mais intensos e mais frequentes, com mais pessoas e atividades expostas a seus efeitos, os recursos insuficientes destinados à manutenção, qualificação e ampliação dessas redes de monitoramento representam um risco ainda maior e um grave descompasso entre a relevância política demonstrada pelo centro de governo às questões de mudança climática e seus impactos.
O esvaziamento da capacidade nacional de monitorar adequadamente o clima e a água vai contra os compromissos internacionais assumidos pelo país no que se refere à adaptação à mudança do clima e ao desenvolvimento sustentável, e aumenta a vulnerabilidade das cidades, da agricultura e dos sistemas produtivos.
Reiteramos, portanto, a importância de garantir o devido aporte de recursos financeiros e estruturais para que a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA, o Serviço Geológico do Brasil – SGB e as demais instituições responsáveis possam cumprir plenamente suas competências legais. Somente assim poderemos contar com informações meteorológicas e hidrológicas confiáveis, que subsidiem políticas públicas e atividades produtivas atuais e futuras de maneira consistente.
Subscrevem esta carta:
- Agência da Lagoa Mirim – ALM
- Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA
- Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL
- Agência Pernambucana de Águas e Clima – APAC
- Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base – ABDIB
- Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica – ABRAGE
- Associação Brasileira de Recursos Hídricos – ABRHidro
- Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente – ABREMA
- Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais – CEMADEN
- Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos – COGERH
- Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – EPAMIG
- Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília – FT/UnB
- Fórum Nacional de Órgãos Gestores das Águas – FNOGA
- Fundação Amazônia Sustentável – FAS
- Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos – Funceme
- Infra Women Brazil – IWB
- Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – IPH/UFRGS
- Instituto de Saneamento Ambiental da Universidade de Caxias do Sul – ISAM/UCS
- Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia Goiano - Campus Cristalina
- Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE
- Instituto Rui Barbosa – IRB
- Rede Brasil de Organismos de Bacias Hidrográficas – REBOB
- Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Mato Grosso
- Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás
- Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais
- Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Rio Grande do Norte
- Secretaria dos Recursos Hídricos do Ceará
- Serviço Geológico do Brasil – SGB
- Universidade Federal do Rio Grande – FURG
- Universidade Federal de Viçosa – UFV
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